Eu não imaginaria afirmar, sem meneios de cabeça e outras graças que indicassem uma brincadeira, que, neste dia banal, tal evento tivesse acontecido. Mas fato é que, ao entrar no espaço de vidro reservado em torno da ducha do banheiro, com a cabeça cheia das preocupações cotidianas que agora já tornaram-se esvaziadas de qualquer importância e que, tenho certeza, não vejo como voltarão a ter, nem notei sua presença. Foi somente após fechar a porta transparente, com manchas pontuais, decorrentes do sabão que espirra junto com a água quente, que foram notadas e acrescentadas à minha lista de tarefas pendentes, e me virar para a parede oposta, que pude vê-lo.
O primeiro impulso não foi um movimento, tampouco um som ou qualquer espécie de reação; apenas paralisei diante do horror. Era algo como um mosquito gigante, um ser com ar pré-histórico, pousado?, parado?, em pé ou deitado?, em todo o canto sudoeste do banheiro. Devido ao espaço reduzido, que mal permite esticar bem os braços, fiquei a meio metro do monstro. E, para além da falta de reação física, meu sentimento ordenava a fuga. Só não assim procedi em vista da porta fechada logo às minhas costas; e não haveria como, em nome do bom-senso, ter coragem de virar novamente e ter-me exposta, sem saber seus movimentos.
Tão logo o estupor passou, a figura foi ficando de certo modo interessante. Sob um olhar mais atento, o imenso corpo, que a princípio pareceu-me preto, mostrou-se num tom escuro de marrom, com minúsculas pintinhas brancas cobrindo as laterais do dorso. E as patas somaram-se ao total de cinco, o que decerto era curioso e fazia a contagem soar equivocada. Falta-lhe uma pata, concluí, seguindo o esquema lógico de sua disposição: duas logo abaixo da cabeça, simétricas, uma de cada lado; mais duas um pouco adiante, como que no meio do corpo, também simétricas; e uma perto do fim, só do lado esquerdo. Claramente havia perdido a pata direita. Senti pena.
Voltei a cabeça para a outra parede, num impulso de pensar numa decisão que pudesse ser tomada. Mais à vontade com a improvável situação, não me assustei quando vi que a criatura escalava a parede até o teto, num esforço árduo e persistente. À minha frente surgiu a saída, concreta e metafórica. Abri a pequena janela que permitiria a liberdade. O enorme inseto compreendeu a oportunidade. Ágil, mesmo com a falta de um membro, enfiou-se pelo espaço. Mas, por maldade do destino, ficou ali entalado. Meu impulso de empatia deslocou-me um passo adiante, mãos levantadas para empurrar o enorme bicho para fora. Não o fiz. No último instante, não tanto por nojo ou repulsa do toque, recolhi de volta os braços para perto do meu próprio corpo. Eu notei, espantada, que, pouco antes de finalmente conseguir escapar da janela e se libertar de meu banheiro, o inseto tremia.
Foi então que percebi que meu medo também me temia.