O que sente um bipolar?

transtorno_bipolar

 

Sente dor. E angústia em toda crise. Quando está bem às vezes sente medo, pois nunca sabe quando será a próxima aparição da doença. Sente-se sem controle sobre si mesmo. E pode se sentir só. Também pode sentir raiva como sintoma na mania ou na depressão, e com frequência sente raiva de sua condição. Mas aí termina a lista. Porque por mais que tenhamos um conjunto de sintomas que definem uma doença, cada pessoa é única, cada corpo é único, e cada um reage de forma distinta aos sintomas, mesmo quando estes são os mesmos.

Foi no início dessa semana que presenciei uma cena que fez querer falar sobre as diferenças. E sobre não julgar o outro. Uma moça bipolar irritou-se com outra bipolar, pois achou que os sintomas desta última não eram tão graves, que ela não parecia se sentir tão mal em relação ao transtorno e que, provavelmente, nem era bipolar! O que essa moça não percebeu é que ela está no meio de uma crise, e a outra está num momento de estabilidade. É até de se esperar que tenham percepções distintas sobre a doença.

Mas esse episódio mostra um outro lado dos transtornos afetivos: o preconceito entre os portadores. Muito se fala sobre o estigma de doenças como depressão, bipolaridade, esquizofrenia e ansiedade, sempre por um viés do olhar de fora, da sociedade, dos outros sobre os indivíduos com doença mental. Ocorre com frequência outro tipo de preconceito. Quando um doente julga o outro, duvida de seus sintomas e diagnóstico, discorda de seu tratamento, e acredita que todos devem se sentir exatamente como essa pessoa se sente e seguir o mesmo tratamento. Vemos em especial dois lados extremos: os que defendem o uso de medicação e aqueles que criticam.

Acreditar que todos os bipolares são iguais é como dizer que todos os diabéticos gostam de doce, ou que todos os diabéticos adoram bolo de cenoura com cobertura de chocolate e não resistem diante de um. Claro que existem sintomas que necessariamente devem estar presentes para que um indivíduo seja diagnosticado com um determinado transtorno mental, mas isso não significa que estes sintomas irão se apresentar da mesma forma em todos, nem que todos irão reagir de maneira igual. As pessoas são únicas, assim como seus organismos. A personalidade e as experiências de vida de cada um também influenciam a forma de lidar com a doença.

E os sintomas podem mudar até na mesma pessoa. Eu, por exemplo, nem sempre tenho alterações de apetite durante crises. Mas já passei por crises de mania nas quais permanecia acordada a noite inteira comendo sem parar. E também já enfrentei crises de mania nas quais fiquei tão agitada e com tanta energia para gastar que nem lembrava de ingerir qualquer alimento. Da mesma forma, já fiquei sem comer durante crises depressivas, porque perdia totalmente a fome. Conheço pessoas que comem muito durante a depressão em resposta à angústia. E, finalmente, com o passar dos anos, nós mudamos e aprendemos muito sobre nossos sintomas; e como nossa doença se apresenta pode se transformar conosco.

Por isso é importante não generalizar os sintomas, muito menos as pessoas. Nem julgá-las ou menosprezar seus sintomas. Já há muito preconceito, e muito sofrimento. E as pessoas sempre devem vir antes de suas doenças.

 

❤ Dedico este texto a Miau, do blog O Miau do Leão, que através de nossas conversas me inspirou a escrevê-lo. ❤

17 comentários em “O que sente um bipolar?”

  1. Bia, eu até ouso compreender a angústia da portadora que estava em crise. Realmente existem algumas pessoas que usam a condição como uma forma de vitimização. Quando, na verdade, muitas vezes não possuem nem mesmo o quadro. Infelizmente conheço pessoas assim. É triste porque até mesmo nós, leigos, percebemos que os “sintomas” aparecem em situações convenientes – Não que o fato narrado seja o caso.

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    1. Marcus, tem isso também – pessoas que se colocam como vítima. Nesse caso acho que foi um pouco diferente: a acusada de não ter TAB não estava se fazendo de vítima, mas sim dizendo que estava se tratando e se sentindo melhor. Eu também entendo que é terrível estar no pior momento e ver o outro superando e seguindo com a vida. Pode parecer que só você que não consegue sair do lugar. Mas também não é justificativa para falar mal e duvidar do diagnóstico do outro que você mal conhece. Acho que isso tudo reflete mais do que algo ligado ao transtorno bipolar. Diz sobre o comportamento da nossa sociedade. É muito fácil atacar o outro, agir sem empatia, sem sensibilidade, com agressividade. É comum ser extremista e se negar a ouvir o outro lado. É muita covardia da nossa sociedade, que ataca por medo de admitir qualquer equívoco. E vemos isso – olha só! – mesmo entre aqueles que sofrem dos mesmos males e que deveriam se apoiar!

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      1. Eu tb não senti vitimização por parte da q foi acusada de não ter o transtorno. Mais acredito que alguns se vitimizem, por exemplo para buscarem reconciliações, compreensão no trabalho,…

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      2. Sim, tem pessoas que possuem uma personalidade assim, que reclamam de tudo o tempo todo, nunca se responsabilizam. Mas no caso de alguém com transtorno mental o que normalmente acontece é outra coisa: se sentir mal, abandonado pelo mundo, se culpar e ser negativo faz parte dos sintomas! Não é que a pessoa, na maioria dos casos, se coloca intencionalmente como vítima, mas a doença a faz pensar e agir assim. E aí é só observar que a pessoa terá esses comportamentos durante as crises de depressão, mas nos períodos de estabilidade ela se colocará de outra forma. Ou questão é muitas vezes não basta tomar remédio e/ou fazer terapia. Às vezes o tratamento não funciona; e quase sempre leva muito tempo até acertar o tratamento correto e a pessoa finalmente se sentir bem.

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  2. Finalmente, tive tempo de sossego p ler o seu post.
    Primeiro, muito obrigada pela citação. 😉
    Puxa, eu tenho aprendido tanto sobre o assunto consigo.
    E, agora lendo este seu novo post, outra particularidade surgiu q nunca tinha pensado, o preconceito entre os q tem este transtorno . Mais uma que aprendi.
    Uma coisa q tb acho interessante de se observar é o entendimento q a pessoa tem de ter o transtorno. Pode até não gostar de falar no assunto, mas tb não nega q tem o transtorno.
    Não sei se o mesmo acontece p outros transtornos.
    Você considera a depressão e ansiedade como transtornos ? Bem, qdo tive depressão há 2 anos atrás, ela veio acompanhada de matinés de crises de ansiedade. A ansiedade reconheci logo, apesar de ter surgido depois, mas qto a depressão demorei muito a reconhecer e aceitar.
    Bem, já são mtos detalhes num só comentário. 🙂 Deixo mais um detalhe para outro momento, e é ainda sobre a medicação.

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    1. Tem muita coisa mesmo para falar sobre transtornos mentais! E depressão e ansiedade também entram nessa categoria! Acontece muito de aparecem na mesma pessoa, e geralmente a ansiedade é mais fácil de perceber, até porque as pessoas costumam falar mais sobre ela, e o estigma associado é um pouquinho menor. Mas todas essas doenças causam vários prejuízos à vida da pessoa. Gosto de uma definição que diz que é doença quando atrapalha e/ou impossibilita sua vida. É assim que a gente começa a perceber que é mais que tristeza, mais que luto, mais que desânimo. Ah e não é todo mundo que aceita o diagnóstico, tem gente que nega também. Mas na maioria das vezes a pessoa aceita sim, pois os sintomas são muito intensos, fica difícil negar. E tem gente que não gosta de falar, sente vergonha; e outras que não falam porque acham que a outra pessoa não vai entender, mas que gostariam de conversar sobre isso…

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      1. A definição de q é doença é perfeita.

        Sabe, eu tenho alguma dúvida de q a depressão e a ansiedade possam ser chamadas de transtorno. Vou explicar… Eu vejo o transtorno como algo controlado, mas definitivo. A ansiedade tb. Já a depressão pode ser pontual na vida, apesar de quem teve uma vez, assim como TB terá sempre medo de q volte a acontecer.
        Eu tenho uma ansiedade crônica controlada. Não há pânico. Só q qdo ela veio com força e junto com a depressão, percebi com pouco tempo, pelo menos a depressão demorou muito a ser reconhecida, e depois aceitar a medicação. Eu percebi pq qdo eu acordava todas manhãs corria p vomitar. Não vomitava nada, mas todo o processo da vontade de, deixava-me exausta. Só aceitei a ansiedade e passei p medicação, qdo a tal vontade de vomitar passou a acontecer a qq hora do dia, em qq lugar.

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      2. Sempre que tenho dúvidas, recorro ao DSM-V. Lá a depressão aparece como transtorno depressivo. Acontece que, assim como a bipolaridade, a depressão também é classificada em tipos. Então pode ocorrer de uma pessoa, assim como você, ter poucas crises. Há um tipo de depressão que, ao contrário, se manisfesta durante um longo período, embora com intensidade menor. Há a depressão maior, na qual as crises são muito intensas. Há também a depressão que é desencadeada por uso de medicamentos, outra por conta de outras doenças. Então cada caso é um caso. Sendo que todas têm origem em vários fatores. Dizemos que são doenças multifatoriais. E mesmo hoje não se conhece ao certo todas as causas. Mas a doença é crônica, só que os sintomas e as crises nem sempre ocorrem com frequência. Pode haver gatilhos que causam crises. Mas há também casos em que a pessoa passa muitos e muitos anos estável, sem sintomas. E acredito que quando a pessoa tem consciência da doença, faz terapia e leva equilibrada pode ficar sem crises, ou ter pouquíssimas. Claro que isso também depende do tipo da doença e de outros fatores. Mas preciso acreditar que é possível!
        Deve ser terrível sentir vontade de vomitar o tempo todo!! Ainda bem que sua ansiedade está controlada! O remédio funcionou bem para você? Fez terapia?

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      3. A medicação agiu muito rápido. Havia uma colega de curso q comentei a situação e foi um erro. 😁😁 Estava sempre a dizer q devia ser do estômago. E eu sabia bem q não era.
        Não fiz terapia. Fiquei curada das 2 situações só com medicamentos.
        Os motivos da minha depressão, acho eu, não eram casos p isso. Pois, foram a questão climática e a dificuldade com o idioma.
        Do primeiro mudei hábitos. Fez sol, um botão liga-se: passear! Passei a ser como um carro elétrico.😂😂
        Do segundo é mais complicado. Vou continuar a estudar em outra escola, e mentalmente, reconheci q línguas não é o meu forte, sempre foram as ciências o meu forte.
        Resumindo: lembrar q viver e ser alegre é o mais importante, o resto tem solução.
        2 anos atrás e doente, sem reconhecer, estive numa ilha grega. Se uma pessoa comparar uma foto lá com a q publiquei, q enorme diferença! Eu até fico emocionada.

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  3. Ótimo texto!
    É complicado mesmo, junto com a comparação de sintomas e tal, junta a própria questão de você comentou de como é a sociedade num toda, que julga, que discrimina, que compara… Muito complexo mesmo.

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