Eu menti

mentira

 

Menti quando me perguntaram como eu estava. Não vacilei nem hesitei. É natural para mim mentir nessas situações. Comigo sempre está “tudo bem”. E para não ficar um “tudo bem” vazio, repetitivo e superficial agrego algum complemento objetivo. “Tudo bem, fui ao cinema ontem”. “Estou bem, o feriado está chegando”. Nem preciso pensar; a mentira flui.

É fácil mentir para quem não quer realmente saber a verdade. Para quem se agarra ao meu “tudo bem”, e o aceita mesmo sendo claramente uma mentira. E que, quando deixo escapar um “estou mal” sincero, sufoca meu desabafo com “vai passar”, “vai ficar tudo bem”, “não desista que tudo vai dar certo”, etc., etc… Não que estejam errados: tudo isso já aconteceu e já passou mais de uma vez. Sei que a angústia não dura para sempre, mas seria bom poder falar dessa tristeza enroscada em minha garganta.

É mais seguro mentir para quem levanta a sobrancelha cada vez que um bipolar está num dia ruim, de mau humor ou apenas discordando e tendo opinião própria. Não, o bipolar não pode ficar nervoso por um motivo válido e explícito; isso claramente é uma crise. Já ouvi a terrível pergunta “você está tomando seus remédios?” uma vez, há muito tempo.

Mas eu já não sou mais uma pessoa bipolar. Eu sou a consequência de muitos anos de bipolaridade. É como acordar num bote com um remo só no meio do oceano. Você se sente grato por finalmente ter acordado de um longo e horrível pesadelo, mas você está sozinho, no meio do oceano, com um só remo.

Na maior parte do tempo me sinto animada e esperançosa. Estou remando e em breve estarei na praia. Só preciso continuar mais um pouco, e tudo dará certo. Na maior parte do tempo sou minha própria frase clichê de motivação. Mas há dias em que olho em volta e continuo no meio do oceano. Sinto que não saí do lugar. E é solitário. Quase ninguém entende como é estar nesse bote. Mas quase todo mundo tem uma estratégia milagrosa para chegar à praia. Estratégia que nunca ajuda nesses dias. Então fico parada, em choque, mas finjo continuar remando.

Por fim, volto a pegar meu único remo. Estreito os olhos e miro o horizonte. Sim, pode ser que a praia esteja logo ali, adiante.

10 minutos para a felicidade

Estou pensando em testar um exercício mental que vi num artigo da BBC, e que foi retirado do livro Ten Minutes to Happiness (Dez minutos para a felicidade). A ideia é fazer o exercício, registrar os efeitos e compartilhar se notei alguma mudança aqui no blog. Quem quiser que eu leve o experimento adiante pode deixar um comentário no Facebook do blog.

 

Razão e emoção

cérebro coração

 

Desde criança aprendemos a desenhar corações para mostrar nosso afeto. Corações pintados de vermelho em cartões em datas comemorativas. Balões em formato de coração. Curtidas em redes sociais em forma de coração. Enviamos corações em mensagens como sinal de nosso amor.

O coração, afinal, faz oposição ao cérebro, o centro de nossa racionalidade, de nossa lógica, do pensamento. Aprendemos desde cedo a associação entre cérebro e razão versus coração e emoção. Aprendemos a criar essa guerra dentro de nós.

E, se são nossos pensamentos que definem nossa identidade, quem somos e como nos vemos, as emoções encontram-se no extremo oposto. Aquilo que sentimos é estranho a nós. É inexplicável e incontrolável. A magia do amor, a fúria cega, tudo o que nos entorpece.

Mas fomos enganados durante todo esse tempo. Ou nos enganamos. A figura do coração como local onde nascem as emoções é pura simbologia. Sabemos disso. E esquecemos. Toda a ação ocorre no cérebro. O coração bombeia sangue, pulsa. O cérebro interpreta e pensa e reage a todos os estímulos externos — e internos. Razão e emoção não são inimigos que duelam eternamente. São, na realidade, estímulos elétricos que habitam o mesmo ambiente. São parceiros que dormem na mesma cama.

Podemos ressignificar, então, os atributos que relacionamos às emoções. Deixam de ser insondáveis e incompreensíveis. Passam a possuir a propriedade daquilo que pode ser analisado, entendido, e até controlado e transformado. Não ficamos mais à mercê dos sentimentos. Nem deixamos de sentir. Nem deixamos de pensar. Ficamos além da razão e emoção; não somos nem o que sentimos nem o que pensamos. Mas usamos razão e emoção como ferramentas à nossa disposição para lidar com o mundo e com nós mesmos.

Manual de sobrevivência para dias terríveis

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Um guia com dicas simples e rápidas (que podem funcionar ou não) para quem tem um transtorno mental sobreviver aos dias mais difíceis.

Sabe quando a crise chega e se instala em seu sofá? Você quer que ela vá embora, mas parece que não irá se mover dali. Pior que isso, ela o obriga a ficar ao lado dela o tempo todo, enquanto faz seu discurso pessimista. No fim, depois de tanto criticar e humilhar todas as suas tentativas de resposta, ela vence. Você já nem lembra mais que tudo o que queria era que ela desaparecesse.

Nesse momento já não conseguimos fazer muita coisa. Falta energia para lutar. Nossas tentativas de melhora nessa fase precisam ser certeiras, simples, fáceis. Estamos em modo economia de energia. Ou melhor, estamos em modo escassez de energia. É o apocalipse. Por isso não darei dicas como praticar exercícios. Porque as dicas de hoje são para aqueles dias em que você está tão exausto que só de pensar em levantar e ir até a cozinha já sente náuseas. Sua cabeça está explodindo e seria impossível pensar em melhorar sua alimentação. A lista a seguir contém itens que levam 5 minutos para serem realizados e que eu mesma testei.

Respire. Apenas respire. Profundamente. Encha seu corpo de oxigênio, prenda a respiração por alguns segundos e, em seguida, solte todo o ar aos poucos. É possível encontrar vários artigos (científicos) que falam sobre a eficácia da respiração. Mesmo assim nem sempre damos valor a ela. Respiramos de forma errada, dizem os especialistas. Respiramos sem pensar (“ainda bem”, diria seu cérebro, já sobrecarregado de funções). Mas podemos nos concentrar em nossa respiração sempre que quisermos relaxar a mente e o corpo. Basta colocar a mão sobre o abdômen para sentir o diafragma encher de ar e inspirar somente pelo nariz. Você pode contar o tempo enquanto inspira, segura e expira. Por exemplo: conte lentamente até 3 ao inspirar; prenda o ar contando novamente até 3; e, por fim, expire contando até 6.

Toque. O contato físico com um ser vivo pode ser incrivelmente benéfico, especialmente em momentos de crise. Você pode abraçar seu cachorro, fazer carinho em seu gato. Pode abraçar um amigo ou familiar. Pode cuidar de uma plantinha. Não recomendo apertar forte os gatos, colocar a mão na boca de cachorro bravo, abraçar cactos ou esperar carinho de pessoas que não gostam de você. Fora isso, está tudo liberado. Mas precisa ser um contato físico. Ou seja, mandar emoji de beijo no WhatsApp não conta.

Fale. Esse item é o tal do desabafar. E é fato que colocar tudo para fora faz um bem danado! Além disso, você pode escolher a forma de fazer isso. É válido escrever, compor uma música, criar uma poesia, conversar com um amigo, ligar para o CVV (Centro de Valorização da Vida — ligue 188).

Ouça. Às vezes ficamos muito focados em nós mesmos e em nossos problemas, remoendo várias e várias vezes a mesma dor. Geralmente, agir dessa maneira só nos causa mais sofrimento. O oposto, entretanto, pode nos ajudar. Mude seu foco e ouça o mundo ao seu redor. Coloque uma música para ouvir. Pergunte a outra pessoa como ela está. Deixe sua voz interna de lado por um tempo.

Alimente. Precisamos de água e comida para sobreviver. Mais do que isso, nutrir o corpo faz bem para a mente. Então beba um copo cheio de água, coma uma fruta, saboreie sua comida favorita.

Acalme. Queremos respostas. Há um problema; queremos a solução. Infelizmente ficar pensando no problema não é garantia de conseguir resolvê-lo; muitas vezes acabamos sem respostas e com ainda mais perguntas. Dê um tempo para si mesmo. Acalme seus pensamentos. Medite, faça uma oração ou pense numa frase positiva. Deixe o problema ali no canto, e pode ser que a solução apareça quando você não estiver esperando.

Sorria. Bom humor faz tudo parecer mais fácil, mais simples, menos doloroso. E isso não é apenas uma impressão que temos, mas sim um efeito físico positivo que a risada nos causa. E você nem precisa estar com vontade de sorrir; basta mover os músculos da face em forma de sorriso que logo seu humor já irá melhorar. Se você tiver a habilidade de rir de si mesmo, pode fazer isso em frente a um espelho. Quanto mais bobo parecer, melhor. Mais engraçado será. Ou então prepare uma listinha de vídeos, filmes e séries divertidos para ver nos dias difíceis.

Por fim, ainda mais eficaz do que os itens acima é saber que dias terríveis sempre passam. Pode até demorar um pouco, mas a vida sempre está em movimento. Nós sempre estamos em movimento, em transformação. Talvez você precise de um tempo para chorar hoje, talvez já sinta que chorou demais. Talvez as lágrimas já nem caiam mais, ou então você nunca as deixa rolar pelo rosto. Pode ser que esteja no limite do cansaço, do estresse, da mágoa, do tédio, do sofrimento, das dificuldades. Mas não irá se sentir assim por muito tempo. Logo mais o coração deixará de ficar apertado, e será mais fácil ver a chegada dias melhores.

Ruídos

chuva depressão

 

Há ruído em toda parte. Dentro de mim. Em minha mente.

Meus neurônios estão cansados. Fios invisíveis trancam minha garganta. Minha voz é silenciada enquanto meus pensamentos gritam.

Há barulho fora de mim. Carros apressados, bombas atiradas, música estridente. Meus ouvidos são atingidos pelos berros dos que sempre querem falar mais alto.

Não ouço minha respiração profunda, mais uma vez.

Aumento o som da televisão. Não ouço meus pensamentos.

Desligo tudo. Os pássaros cantam de madrugada.

A chuva cai ritmada sobre as superfícies. E cada telhado produz um som.

Olho pela janela: vejo o mundo misturado com meu reflexo. As lágrimas, que poderiam se juntar às gotas de chuva, já não caem mais.

Encaro os barulhos internos. Converso com meus próprios gritos.

Encaro os barulhos externos. Os pássaros cantam ao amanhecer.

 

chuva bipolar